Marketing
Vamos lembrar do “Seu Manoel”
Aquela fidelização de clientes oferecida pelo "Seu Manoel" da venda da esquina continua valendo mais do que nunca nos dias de hoje
Se você já leu algo sobre a NRF 2010 - o maior evento de varejo que ocorreu em Nova York no início do ano, deve ter recebido a mensagem de que falou-se sobre como o varejo americano buscou sobreviver na crise, como o consumidor com menos dinheiro no bolso ficou mais exigente, a importância do design do Ponto de Venda, além de assuntos urgentes como a sustentabilidade, entre outros. Estes temas estão em alta no Brasil e nosso varejo atrai e atrairá ainda mais a atenção e investimentos de players globais.
Conversei com vários brasileiros durante o evento para entender quais eram suas percepções. As pessoas que estavam lá pela primeira vez, experimentavam um certo encantamento com o Big Show (como a conferência é chamada), porque realmente é um grande evento, muito bem organizado, com renomados palestrantes. Notei também que os novatos receberam muitas informações novas e gostaram bastante do conteúdo. Já entre os que frequentam a feira anualmente, as palestras trouxeram um nível bem menor de novas informações.
Não que não houveram novos dados, mas ninguém saiu com a sensação de algo revolucionário, nunca visto antes. Talvez porque, de algum modo, os assuntos tratados lá já fazem parte do cotidiano do nosso varejo. Isso porque o Brasil já passou por inúmeras crises, já dispomos de lojas sustentáveis, vendemos para consumidores exigentes e com pouco dinheiro no bolso. Vivemos um momento em que não há receitas de bolo para seguir, cada companhia tem que criar a sua própria mistura.
É bom ver que a delegação brasileira cresce a cada ano. Dessa vez fomos a maior delegação internacional. Isto demonstra que nossos profissionais estão com sede de conhecimento e que estamos extremamente atualizados e participantes no cenário internacional. Vários voltaram para casa com resumos de palestras cheias de números e dados. Eu voltei com isto e também com uma lembrança da minha despertada em uma das palestras e decidi compartilhá-la com vocês, porque é parte de uma época do varejo brasileiro que talvez tenhamos que reinterpretá-la no futuro.
Lembrei de uma experiência de compra que eu vivia rotineiramente quando criança na “venda” do “Seu Manoel” (“venda” era o nome dado ao bar da esquina que contava com uma conveniência). Naquela época as crianças ainda brincavam na rua e nossa mãe tinha sempre uma “caderneta” na venda mais próxima. Entre uma e outra brincadeira eu ia até a venda comprar um doce e era só encostar no balcão que o “Seu Manoel” já trazia meu doce favorito e marcava na caderneta da minha mãe. Tudo muito rápido porque eu não podia perder tempo, afinal tinha que brincar. O “Seu Manoel” sabia quem eu era, do que eu gostava e me atendia do jeito que eu precisava. E ainda, quando tinha alguma novidade na “venda” dava um pedacinho para experimentar.
Mal sabia o Sr. Manoel que hoje diríamos que ele tinha foco no consumidor (consumer centric), fazia gerenciamento do cliente (e não só dos produtos e categorias), praticava sampling, aumentava meu poder de compra me dando crédito e, indiscutivelmente, construía experiências de compra memoráveis. Porque 30 anos depois e inúmeras experiências vividas me lembrarei da venda do “Seu Manoel” e quando, durante a palestra em Nova Iorque, citou-se a simplicidade que entrega valor, a “venda” foi meu top of mind.
Quis dividir esta história verídica com vocês ao invés de citar alguns números e estatísticas da feira, porque talvez o grande desafio do varejo agora seja como gerenciar grandes operações de varejo que precisam lidar com um número gigante de informações, sem perder a simplicidade, a integridade do negócio e a real entrega de valor do “Seu Manoel”. Como se comunicar com o consumidor com mídias tão pulverizadas que vão de Twitter ao jornal do bairro? Como tratar hoje o consumidor que ainda se lembra da “venda” do “Seu Manoel” e o twitteiro simultaneamente?
Temos alguns exemplos de sucesso, mas não temos receitas de bolo que nos garantam o mesmo sucesso alcançado por eles. Não adianta inventar mais siglas, ou nomes complicados ou softwares X, Y, Z que gerem inúmeros relatórios inúteis para dirigentes atolados que mal tenham tempo de pisar em suas lojas. Para cada uma destas perguntas cada empresa terá que encontrar a sua resposta certa. A NRF 2010 nos mostrou alguns cases que alcançaram o sucesso concentrando-se em suas capacidades principais e reintroduzindo a simplicidade na retaguarda e linha de frente. Será que estamos saindo do mais, mais, mais (sempre) para o menos (extremamente bem feito) é mais?
Kátia Bello
Arquiteta e sócia-diretora da Opus Design: katia@opusdesign.com.br
Fonte: Mundo do Marketing (www.mundodomarketing.com.br)
12/03/2010
ELABORADO POR:
Vânia Ruiz
Luana
Cristiano